‘Egoísmo e rivalidade atrapalham discussão sobre Fair play financeiro’

É possível você, amigo leitor, esquecer o clube que torce apenas pelos minutos que estiver lendo esse texto? É que o debate deste assunto só vai promover alguma reflexão se o pensamento não for clubista.

Dirigentes ou donos dos clubes no Brasil passaram a falar sobre o fair play financeiro recentemente. O Flamengo, após a goleada sofrida para o Botafogo; o Botafogo, depois de ser eliminado pelo Bahia; e mais recentemente a Comissão Nacional de Clubes, percebendo a necessidade de discussão.

Não por acaso, o assunto está diretamente conectado ao advento das SAFs e à chegada de holdings com alto poder de investimento dando início a um novo cenário no mercado de compra de jogadores no futebol brasileiro. É reflexo, também, de movimentos globais: clubes sendo adquiridos por holdings também no futebol europeu e pela agressividade das propostas mirabolantes – mas reais! – do futebol árabe. Temos um mercado inflacionado em níveis inimagináveis e que, automaticamente, está interferindo na competitividade dos campeonatos.

O mercado inflacionado do futebol não é algo que chegou com as SAFs. Isso vem de bastante tempo, passando pela distribuição das cotas de TV, pelos investimentos de mecenas e também pela irresponsabilidade na condução administrativa de alguns clubes. Tudo isso contribuiu para que alguns deles tivessem capacidade de competir no mercado enquanto outros foram ficando para trás nesse processo. A demora de alguns clubes brasileiros em profissionalizar o departamento de futebol e a análise de mercado também contribui, ainda hoje, para que clubes fiquem obsoletos no cenário de competição.

Há algum tempo o fair play financeiro deveria existir. O desenvolvimento de uma liga que, de fato, idealizasse a valorização do produto acima dos interesses individuais e políticos também. Só a partir dela é que esse debate se ampliaria. Mas acho que não podemos exigir muito de um conjunto de clubes e de uma confederação incapazes sequer de encontrarem uma saída equilibrada para o calendário lotado de jogos.

O fair play financeiro não deveria se tratar de punir quem, hoje, consegue contratar. Nem ser pauta somente porque seu clube perdeu um clássico de goleada. O Fair Play deveria atingir a todos, inclusive aqueles que não são SAFs, mas rentabilizam tanto que contribuem para inflacionar o mercado com contratações caras. O objetivo precisa ser a promoção de um campeonato disputado com a menor diferença possível em elencos. É isso que vai valorizar o produto e, no fim das contas, gerar renda aos clubes.

Bem, esse é o mundo ideal e também irreal. As pautas do fair play e do teto de gastos vieram à tona quando investidores estrangeiros ameaçaram a hegemonia de clubes que, até então, estavam confortáveis com a desigualdade crescente do futebol brasileiro e não por uma legítima preocupação com o equilíbrio do campeonato. O que tem sido visto é muito mais um embate de narrativas de ofendidos do que união pelo bem de todos.

Na prática, as ligas criadas com o intuito de trazer um equilíbrio maior na distribuição de riqueza estão se mostrando mais do mesmo. Muita confusão, ausência de pensamento empático e excesso de preocupação política. O calendário insano de jogos é um reflexo da incapacidade dos clubes serem mais justos e menos dedicados em manterem vivo um sistema político do ecossistema das federações.

Na verdade, há muitos aspectos que impactam nas decisões dos clubes na hora de se unirem pelo futuro do futebol brasileiro. Aqueles que são SAFs pensam no lucro, no resultado esportivo e nos interesses que a holding tem no mercado global. Reforço aqui que o mundo das SAFs é um mundo novo. Estamos descobrindo juntos, temporada após temporada, os benefícios e malefícios deste novo sistema, bem como os perfis diferentes de compradores que chegam ao nosso mercado e o impacto que tudo isso está tendo e vai ter, tanto do ponto de vista esportivo quanto financeiro.

Nos clubes associativos, o pensamento está voltado ao resultado esportivo, ao equilíbrio administrativo (para aqueles que são responsáveis), ao sistema político da instituição, da federação à qual pertencem, além de uma adaptação morosa (e em muitos casos resistida) à profissionalização dos processos internos do futebol.

E provavelmente estou deixando de citar vários outros interesses que permeiam os clubes da nossa terra.

Parece ser bastante difícil que o Brasil avance nesse aspecto, simplesmente porque os clubes que reclamam agora dificilmente estão dispostos, na prática, a ceder. E aqueles que deveriam lutar com ainda mais força pela igualdade – os menos favorecidos em riqueza – não têm força política pra isso, ou não querem se indispor politicamente, ou apenas não são organizados internamente o suficiente para entenderem como agir.

O Campeonato Brasileiro sempre se destacou por sua competitividade e isso vem diminuindo em queda brusca quando avaliamos os elencos das equipes nas temporadas recentes. Portanto, é claro que o fair play financeiro deve existir de uma maneira verdadeiramente justa, com o perdão da redundância. A pergunta é: quem está disposto a ceder para promover uma competição mais igual?

Fonte: Blog Jessica Cescon – ge

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