O Conselho Deliberativo do Vasco se reúne na próxima segunda-feira para debater a criação de um comisão para investigar a venda das ações do futebol do clube para a 777 Partners. O acordo foi fechado na última gestão do Vasco, do então presidente Jorge Salgado. Ao mesmo tempo, os conselheiros vão se debruçar sobre auditoria realizada na gestão Alexandre Campello.
Neste sábado, Salgado divulgou longo manifesto – confira na rede social do ex-presidente a carta completa – com série de pontos em que defende a venda para a 777 – em 2022, no segundo ano de gestão -, fez críticas à atuação de Pedrinho e seus aliados na briga com o investidor e revelou, pela primeira vez, que a 777 foi “única (empresa) que aceitou as premissas básicas, avançou nas negociações e fez uma oferta concreta”.
O ex-presidente Alexandre Campello, alvo de outro tópico da reunião da segunda que vem, disse que ainda “não tem conhecimento dos fatos e não tinha nada a declarar” neste momento.
Em entrevista anterior no Abre Aspas do ge, Salgado dizia que uma apresentação do Vasco havia sido enviada para 62 investidores internacionais, com 27 respostas e que ficaram três “negociando” com o clube – entre eles o grupo City, que “queria ficar com participação pequena” e “achava caro” o investimento no Vasco.
No texto publicado nas redes sociais, Salgado afirma que o Vasco “não atraiu outros interessados”, pois “muitos (investidores) não entendiam por que o estádio de São Januário estava fora do projeto e seria mantido com o clube… além disso, não quiseram comprometer recursos na fase pré-SAF, ainda mais diante dos significativos valores de aportes a serem feitos na companhia e da assunção de dívidas do clube”.
– As premissas básicas da negociação foram estabelecidas na largada, respeitando as características do Vasco: (i) aporte significativo pelo investidor (R$ 700 milhões), em até 4 anos, para permitir a retomada da competitividade esportiva; (ii) assunção, pela SAF, da dívida histórica contabilizada do CRVG (em até R$ 700 milhões), para equalizar o passivo que asfixiava o clube há 20 anos; (iii) CRVG permaneceria com relevante participação na SAF (30%); (iv) CRVG permaneceria com a propriedade de São Januário, que deveria ser utilizado pela SAF; (v) investimentos significativos em infraestrutura, sobretudo nos CTs; (vi) orçamento do futebol em montante expressivo, para permitir a retomada da competitividade do futebol vascaíno; e (vii) Vasco SAF seria um flagship do grupo investidor, devendo ser tratado de forma condizente com a grandeza histórica do clube. Iniciado o processo e realizadas conversas com alguns potenciais investidores, a 777 foi a única que aceitou as premissas básicas, avançou nas negociações e fez uma oferta concreta – afirmou Jorge Salgado.
“Recebi apenas 23% do valor do empréstimo”
O ex-presidente também justificou o acordo fazendo referência à “guerra política fratricida que corrói o clube por dentro, destrói a sua imagem e o impede de impulsionar a força de sua imensa torcida e de alcançar o seu inegável potencial”. E abordou um dos empréstimos que fez ao clube no início de sua gestão, questionando e também respondendo a si próprio se “fez a SAF no Vasco para se pagar”.
Salgado lembrou que em 2021 emprestou ao clube “valor expressivo a juros fixos inferiores ao praticado no mercado” – segundo balanço de 2021, estes valores somavam cerca de R$ 26 milhões – e afirmou que “foi o único que se dispôs a emprestar dinheiro ao clube”, devendo meses de salários atrasados.
O ex-presidente do Vasco contou que recebeu parcelas atrasadas do acordo como credor – havia empréstimos desde a gestão Roberto Dinamite, bem antes de ser presidente do clube – em março de 2022, com a o empréstimo-ponte da 777 de R$ 70 milhões, mas “cerca de três meses depois”, por ocasião de transfer ban de dívida com Maxi Lopez, ele afirma que “devolveu integralmente o valor daquelas parcelas atrasadas que havia recebido”.
– Resolvida a questão e o problema de fluxo de caixa, o valor foi retornado. Até hoje, recebi apenas 23% do valor do empréstimo, sendo que o vencimento original já passou e o empréstimo já deveria ter sido quitado. O meu empréstimo foi aprovado pelo Conselho Deliberativo, inclusive as condições de pagamento. Na reunião de aprovação, todos me elogiaram e agradeceram minha demonstração de vascainísmo, ao ajudar o clube num momento difícil. Poucas semanas depois, já estavam me chamando de agiota novamente – disse Salgado.
Salgado: ação judicial parte de “equívoco conceitual”
O ex-presidente questionou e criticou a estratégia jurídica da administração de Pedrinho, que entrou com ação judicial e conseguiu em caráter liminar tirar a 777 do controle da Vasco SAF – o caso segue para análise em Plenário na Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e também correrá em paralelo na arbitragem na FGV.
Disse que a alegação do jurídico de Pedrinho – “evitar penhora das ações da SAF detidas pela 777” – “parte de equívoco conceitual”. Salgado afirmou que, em caso de inadimplência, as ações já compradas pela 777 (os 31% do total de 100%, nos quais 30% seguem sendo do Vasco pelo acordo de acionistas) não retornariam para o clube, mas o Vasco “teria o direito de exercer um bônus de subscrição, pelo valor simbólico de R$ 1 mil, obrigando a SAF a emitir novas ações para diluir a participação da 777 ao montante efetivamente pago pelo investidor.”
– Nesse caso, como eles já pagaram R$ 310 milhões (equivalente a 31% da participação de 70% negociada com o investidor), eles seriam diluídos a 31% após a emissão de novas ações da SAF subscritas pelo CRVG – que passaria a ter 69% de participação na SAF e, portanto, retomaria o controle da companhia – explicou o ex-presidente, acrescentando:
– Pouco importaria, portanto, se um credor da 777 penhorasse as ações da SAF, pois, ainda assim, o credor teria que fazer o aporte de setembro de 2024 – caso contrário, aquelas ações penhoradas seriam diluídas a 31% de participação no capital social da SAF. Além disso, esse hipotético credor teria que cumprir com todas as obrigações e proteções à SAF e ao CRVG previstas no acordo de acionistas e no estatuto social da SAF, dentre as quais as matérias qualificadas que exigem o voto afirmativo do CRVG.
O ex-dirigente do Vasco defende que este cenário seria de retomada “legítima do controle da SAF”, nos termos acordados entre as partes em contrato e que permitiria aos vascaínos “buscar um novo investidor e obrigar a 777 a vender seus 31% restantes nas mesmas condições negociadas pelo CRVG com o novo investidor”.
– Importante lembrar que o mecanismo do bônus de subscrição foi esclarecido no parecer da Comissão Especial do Conselho Deliberativo que analisou os documentos da operação da SAF e recomendou sua aprovação. Muitos daqueles que compunham aquela comissão estão hoje na atual gestão – afirmou Salgado, reforçando que a negociação teve recomendação favorável do Conselho Fiscal e do Conselho Deliberativo do clube.
“Sou um eterno credor do Vasco”, diz Jorge Salgado
– Pelo que veiculado na imprensa, antes de o CRVG propor a ação judicial, a 777 já estava negociando a venda de sua participação na SAF. Nessa hipótese, como condição para a transferência das ações, o novo acionista teria que pagar não apenas o aporte de 2024 (cerca de R$ 300 milhões, com atualização), mas também o aporte de 2025 (cerca de R$ 130 milhões, com atualização). Caso contrário, não poderia receber as ações da SAF e se tornar acionista. Seriam R$ 430 milhões no caixa da SAF, de uma só vez. A opção pelo embate judicial é preocupante, pois, além de dar motivos para o não pagamento do aporte de setembro de 2024 (caso mantida a atual situação até lá), gerou um clima de instabilidade institucional e de insegurança jurídica que acaba por afugentar possíveis novos investidores – comentou Salgado.
Sobre as condições financeiras da 777 à época do acordo, Salgado se apóia no relatório – que é confidencial e nunca foi divulgado publicamente, mas passou pela comissão de 15 conselheiros, com dois votando pela abstenção, como mostrou o ge na semana passada – das consultorias contratadas.
Salgado afirma que “não houve apontamentos relevantes”, cita parecer favorável ao acordo da Comissão Especial do Conselho Deliberativo e diz que a 777 “passou pelo crivo de todas essas jurisdições, sem maiores intercorrências”, na Itália, Alemanha, França, Belgica e Austrália, além de participações em clube da Espanha e na liga de basquete da Inglaterra. O ex-dirigente interpreta que “os problemas começaram a surgir após a conclusão do negócio com o Vasco, quando a 777 decidiu investir no Everton”. Pois entende que a companhia fez grande esforço – e não conseguiu – entrar na liga mais valorizada e cara do muindo.
– Para concluir o negócio e entrar nesse mercado, eles fizeram empréstimos de mais de R$ 1,3 bilhão (200 milhões de libras esterlinas) ao Everton, para cobrir custos operacionais e compromissos financeiros do clube, antes mesmo de finalizar a operação – afirmou Jorge Salgado.
“Publiquem os contratos”
Ainda na carta publicada, Jorge Salgado lembra que a liminar suspende os efeitos do contrato e faz “apelo pessoal” para que, agora, os contratos confidenciais sejam abertos.
– Eu, pessoalmente, não tenho nada contra. Por mim, seria até bom, para acabar de vez com essas narrativas maldosas e politiqueiras. A confidencialidade é uma condição negocial típica não só dos contratos de fusões e aquisições, mas de qualquer contrato comercial. O seu objetivo é preservar estratégias comerciais das partes. É por isso, por exemplo, que os clubes não publicam contratos com patrocinadores ou os contratos de cessão de direitos de transmissão – disse Salgado, provocando a diretoria de Pedrinho a abrir os contratos assinados por sua antiga gestão.
– A decisão liminar que tirou da 777 o controle da SAF suspendeu os efeitos dos contratos. Com isso, tornou sem efeito, também, a obrigação de confidencialidade. A rigor, o CRVG poderia publicar os contratos na íntegra. Por que o CRVG não publica os contratos, se não está mais sujeito à obrigação de confidencialidade? Imagino que a publicação poderia causar insegurança em eventuais novos investidores; porém, se entendem que não, fica aqui o meu apelo pessoal: publiquem os contratos! – exclamou o presidente em carta
Salgado também disse que nem ele nem ninguém de sua diretoria receberam “qualquer tipo de comissão ou valor pela negociação”. Lembrou que houve comissões de R$ 28 milhões para as empresas de consultoria e advocacia – o que já havia contado ao ge no Abre Aspas – que os assessoraram na confecção do negócio, mas com pagamento para além dos R$ 700 milhões de investimento no clube. Ou seja, na prática, acordo de R$ 728 milhões, afirmou. “A relação dessas empresas consta num dos anexos do contrato de investimentos. Não foi pago qualquer outro honorário, comissão ou valor a nenhuma outra pessoa ou empresa que não conste daquela relação. O Conselho Fiscal do clube tem acesso a essa lista e aos valores devidos”.
Salgado também fez críticas à gestão da 777 no futebol do clube, afirmando que faltou “traquejo” no futebol, “conhecimento do mercado interno” e “assertividade no processo de contratação” – citou a montagem de time jovem em 2023 em meio à “pressão descomunal” no Vasco -, mas “não se pode contestar que eles aportaram R$ 310 milhões, investiram no futebol, aumentaram as receitas comerciais, pagaram os salários em dia e honraram os pagamentos mensais do RCE Trabalhista, RCE Cível e transação tributária”.
Fonte: ge