A mensagem que passa a decisão judicial contra a 777, afastada da SAF do Vasco, é uma das preocupações dos torcedores neste momento. Afinal, a ação, além de estremecer ainda mais a relação entre a empresa e o clube, pode assustar possíveis novos investidores.
O termo “insegurança jurídica” tem sido citado por muitos vascaínos nas redes sociais. Mas o que isto significa de fato? O vice-presidente jurídico do clube, Felipe Carregal Sztajnbok, afirmou, em entrevista ao “Seleção SporTV”, que o objetivo do Vasco é procurar um novo parceiro para comprar a SAF.
Em entrevista coletiva na tarde de quinta, o advogado explicou que o clube avaliou todos os cenários antes de ir à Justiça e que as incertezas quanto à 777 obrigaram a esta atitude.
– Avaliamos a insegurança jurídica, mas minha pergunta é: “Qual é a segurança jurídica que a 777 está causando na operação da Vasco SAF e no Vasco?”. Querendo ou não, hoje 777 e Vasco estão abraçados e, se a imagem da 777 está manchada, a do Vasco é atingida – afirmou Carregal.
Além do temor de que a empresa não deposite o aporte previsto para setembro, o associativo do Vasco defende que “foram constatados diversos descumprimentos por parte da 777”.
A preocupação de parte da torcida, mesmo contrária e insegura quanto à continuidade da 777, é como um possível parceiro vai topar investir no clube após esse movimento de tirar o atual investidor por meio de uma decisão judicial. Algo reforçado pelo grupo americano em nota oficial. O movimento ainda irritou o sócio que integralizou, até o momento, 31% das ações.
– A insegurança jurídica provocada pelo fato ameaça também o futuro do futebol brasileiro. Não há dúvidas de que trará consequências desastrosas para a Lei da SAF. A pergunta que fica é: que empresa terá coragem para investir milhões de dólares em uma SAF com o risco de perder o poder de comando do dia para a noite em uma canetada, sem ter cometido uma única infração contratual? – questionou a 777 Partners.
A empresa americana ainda não foi notificada, mas, quando isso acontecer, vai entrar com recurso para tentar retomar o controle da SAF. Por outro lado, o clube está certo de que seus argumentos são fortes e de que a decisão será mantida. A questão é: em um cenário de guerra declarada, a 777 vai facilitar o caminho do Vasco na busca por um novo parceiro?
O ge ouviu quatro especialistas em direito desportivo sobre as consequências da ação do Vasco. Leia as opiniões abaixo:
Cristiano Caús – sócio do CCLA Advogados e especialista em constituição de SAF
“Não entendo que esta ação cause insegurança jurídica. Pelo que notei da decisão, proferida ainda em caráter liminar, ou seja precário, ela avalia o cumprimento do Contrato de Investimento específico da SAF Vasco da Gama, assim não penso que crie jurisprudência para outros casos ou influencie negativamente aqueles que queiram investir no futebol brasileiro.
As alegações são muito restritas às partes envolvidas neste caso: o clube associativo, a SAF por ele constituída e o investidor que adquiriu a maioria das ações e, consequentemente, o controle. Alegou-se que o Contrato de Investimento fora descumprido e isso deverá ser objeto de procedimento arbitral, visto que é o foro eleito pelas partes.
No processo judicial em questão, o clube buscou, de forma cautelar, afastar os conselheiros nomeados pela controladora – investidora que adquiriu a maioria das ações da SAF – enquanto a arbitragem não é instituída e decidida.
Para tanto, o clube teve que provar o risco da manutenção dos controladores na gestão da SAF do Vasco para convencer o juiz a proferir decisão liminar nesse sentido. O Poder Judiciário e a arbitragem brasileiros sempre estarão disponíveis a quem se sentir lesado em seu Direito. Isso é inerente a um país democrático como o nosso.
Entretanto, no caso em questão, ao menos até este momento, não identifiquei nenhuma discussão que pudesse desqualificar ou afetar negativamente a Lei da SAF e o ambiente propício para investimento no futebol brasileiro.
Existe uma alegação de que os investidores fizeram um aporte no clube quando já eram controladores das ações, objetivamente donos da SAF, e feito o aporte eles tomaram a decisão de transferir o dinheiro para outra empresa. Consequentemente, o dinheiro não ficou no Vasco SAF. Pelo que notei, mas não tenho certeza porque não conheço a fundo o processo, o clube alega fraude nesse sentido. Seria como prometer colocar o dinheiro para ser dono, transformar-se em dono e depois quando se coloca o dinheiro não o mantém na SAF e se transfere para outra empresa e finalidade distinta dos objetivos do Vasco SAF”.
Eduardo Carlezzo – sócio do Carlezzo Advogados e especialista em direito desportivo
“Sem entrar no mérito sobre quem tem a razão, o que mais me preocupa é a mensagem transmitida, que é a falta de segurança jurídica no Brasil para qualquer investimento. A transferência de controle de uma empresa é um dos atos mais severos dentro do direito corporativo e exige uma justa causa muito bem fundamentada para isso.
A transferência de controle mediante medida liminar não é algo trivial, sobretudo quando o contrato prevê a arbitragem para a resolução do caso. E, por fim, a transferência de controle com base na expectativa de que o sócio controlador não venha a pagar algo que sequer venceu passa uma péssima imagem para o mercado internacional no contexto de investimento não apenas do futebol brasileiro, mas do país de uma forma geral”.
José Francisco Manssur – especialista em direito desportivo e ex-assessor especial do Ministério da Fazenda
“Eu não posso comentar uma decisão judicial de um processo que nunca li. É claro que a ação provoca insegurança jurídica para os investimentos. A gente tem uma série de formas, eu mesmo já propus algumas delas em casos que atuei, de cobrar o resultado técnico da empresa que adquire ações do seu clube quando você constitui a SAF. Você pode criar um sistema de prever antes no contrato quais os resultados esportivos razoáveis e, na medida em que cada um desses objetivos não é atingido, a SAF devolve ações para o clube.
Isso poderia ter evitado ajuizamento da ação. Isso seria uma solução, não posso dizer se está ou não no contrato. Acredito que, com esse gesto, o Vasco está com outro parceiro engatilhado ou está tomando uma posição, que é a de muitos ex-dirigentes do clube, de seguir seu caminho sem ter mais a figura do investidor. Muito dificilmente, eu acredito, que outro investidor vai se sentir seguro para fazer esse investimento no Vasco após o ajuizamento da ação”.
Luiz Roberto Martins Castro – especialista no assunto e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo
“O Vasco tinha que ter escolhido um melhor sócio. É um mercado que ninguém sabe de onde vem e para onde vai o dinheiro. O fundo nasce para ganhar dinheiro, e a gente espera que seja sério. Mas, se eles fazem um ou outro investimento errado, eles podem quebrar. Essa é a preocupação do Vasco, sobre um calote futuro.
Não entendi a decisão judicial, tirar alguém do poder com medo de que vá fazer besteira. A incompetência não é justificada para tirar alguém do poder, a não ser que se comprove que ele é mal intencionado. Não tem como tirar o controle em maio se o próximo aporte é em setembro. Pode inviabilizar o bom funcionamento da SAF.
Acho que só vai ter perdedor nesta história. A 777 pode alegar que perdeu confiança no sócio e, se uma outra empresa assumir, o que vai fazer ela não pensar: ‘Se fizeram isso com a 777 por que não vão fazer com a gente?’. A 777 pode querer enrolar esse processo para prejudicar o Vasco. Enquanto o contrato estiver suspenso, é difícil o Vasco conseguir vender a SAF. A liminar não tem argumentos jurídicos muito fortes. Via de regra quando a transferência de controle acontece, o juiz nomeia um terceiro para administrar.
Vai assustar o mercado. Por outro lado, os clubes vão começar a escolher direito seus parceiros, tomar mais cuidado. É muita história, notícias, mas poucos documentos. O que foi feito na Bélgica é o mais correto, a penhora, mas lá tem dívidas, o que tornou isso viável. Vai servir de alerta, brecar um pouco os aventureiros no futebol. O clube vai perceber que a SAF não é a solução de todos os problemas e que precisa ser profissional não só na administração, mas na escolha do investidor.
Vejo como uma forma de pressão, de falar: ‘777, cai fora, vende suas ações'”.
Fonte: ge