O transporte mais corriqueiro de torcedores do Vasco que partiam para São Januário acalentando o sonho de assistir a uma nova vitória da equipe era o bonde. Porém, além da expectativa dos vários cruz-maltinos, o Bonde São Januário (homônimo do estádio) era marcado por levar pessoas que tinham outras ambições: transportava operários que trabalhavam nas fábricas de São Cristóvão.
A ida dos trabalhadores até as fábricas acabou fazendo a linha de bonde entrar para o acervo da Música Popular Brasileira: da parceria de Ataulfo Alves e Wilson Batista, surgiu “O Bonde São Januário”.
– Tem uma ligação com o estádio. Aqui era uma área de trabalhadores, inclusive em São Januário. Então você tinha um fluxo de trabalhadores para essa região aqui de São Cristóvão para trabalhar aqui nas fábricas. Aqui sempre foi uma área de muitas fábricas e empresas. Essa música está ligada a questão do trabalho, do trabalhador pegar o Bonde de São Januário, que cortava aqui, para vir para toda essa região poder trabalhar – afirmou o historiador Walmer Peres, ao LANCE!.
Composto durante a Era Vargas, o samba sinalizou uma tentativa de dissociar a malandragem das figuras dos sambistas. Porém, segundo o pesquisador musical Rodrigo Faour, a tentativa do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) se mostrou frustrada:
– “O Bonde São Januário” foi um grande sucesso na voz de Cyro Monteiro. Essa música é da da época que o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do Governo Vargas começou a implicar com a apologia à malandragem que havia no samba. Pediram, então, que alguns compositores fizessem músicas que incentivassem o trabalho. O Ataulfo Alves fez com Wilson Batista esta canção, “O Bonde São Januário”, que fala da rotina do trabalhador. Mas, naquela época em que os compositores não eram tão politizados, não tinham consciência política, este pedido gerou pouquíssimas músicas – afirmou, ao LANCE!.
Aos olhos do musicólogo Ricardo Cravo Albin, a valorização ao trabalhador não é a única situação curiosa. Segundo ele, é surpreendente ver neste samba a presença de Wilson Batista como parceiro de Ataulfo Alves (que é conhecido também por ser o autor de músicas como “Atire a Primeira Pedra”, “Corda e Caçamba” e “Ai, que Saudades da Amélia”, feita em parceria com Mário Lago):
– A grande curiosidade deste samba é Ataulfo Alves ter a parceria justamente de Wilson Batista, um malandro histórico, falando sobre operário. Segundo Wilson, estes versos foram feitos pelo Ataulfo para agradar o DIP na Era Vargas – revelou ao LANCE! o especialista sobre Wilson, autor de, dentre outras, “Lenço no Pescoço” e “E O Juiz Apitou”.
Enquanto o Bonde São Januário se dividia entre os sonhos de operários e de torcedores do Vasco, a linha se aproximava de um estádio que via muita história ser erguida.
Fonte: LANCENET!